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Quem paga a conta quando o menor causa dano a outra pessoa?

  • Responsabilidade civil é o dever de indenizar que surge, em geral, de um ato ilícito. Quem responde, ou melhor, quem indeniza é quem causou o dano, em regra. Mas, como vocês sabem, toda regra tem exceções, e o Direito tem muitas regras e muitas, muitas exceções.

Um dos requisitos para se responsabilizar uma pessoa por um dano causado a outra é o chamado nexo causal. Para que haja nexo causal é preciso que haja uma ligação lógica, de causa, entre uma ação ou omissão de uma pessoa e o resultado danoso. Outro requisito para que uma pessoa seja responsabilizada é a culpa. Mas haverá dever de indenizar, independente de culpa, em certos casos previstos na lei, ou nos casos em que a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano criar um risco para os direitos de outras pessoas.

Bom, o dever de indenizar parece um conceito mais ou menos simples, bastando, para sua aplicação, que haja dano, nexo causal e, em regra, culpa, que pode ser excepcionada pela lei ou pelo risco causado pelo autor. Mas veremos que nada é tão simples assim quando examinado com um pouco mais de profundidade…

Os pais respondem, independentemente de culpa, pelos danos que o menor causa a terceiros se o menor está sob sua autoridade e companhia (artigos 932 e 933 do Código Civil).

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.


Por que os pais respondem pelos danos causados pelos filhos? Qual a ligação dos pais com o dano?

Os pais de certa forma causam o dano produzido pelos filhos quando, por ação ou omissão, falham no dever de vigiar o menor, ou no dever de escolher as pessoas que vigiam o menor, ou falham na educação do menor. O professor José Fernando Simão diz que, nesses casos, os pais têm culpa in vigilando, in eligendo ou in educando, respectivamente (o latim ainda é uma língua viva no Direito).

Caso o responsável não tenha obrigação de pagar ou se não dispuser de meios suficientes, o menor pagará com o seu patrimônio (art. 928 do Código Civil).

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.

Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

A indenização não ocorrerá sempre pelo valor exato do dano. Tanto a indenização paga pelo responsável como a eventualmente paga pelo menor devem se ajustar à capacidade de pagamento da família do causador do dano e ao grau de necessidade de quem sofreu o dano. Essa justiça personalizada para cada caso concreto, de acordo com as circunstâcias, as condições econômicas e outras particularidades das partes, chama-se equidade.

O moleque esperto pode achar que os juízes deveriam sempre tomar decisões sob medida para cada caso concreto, mas isso traria muita insegurança para o Direito. Excesso de flexibilidade pode dificultar o cumprimento das leis. As pessoas não saberiam mais o que fazer para se adequar à lei, pois os juízes teriam muita liberdade para decidir cada caso de forma diferente. Nem sempre os juízes podem decidir com equidade, só quando a lei autoriza. Nesse caso, o artigo 928 do Código Civil traz a autorização necessária em seu parágrafo único.

Se o menor está na escola e causa dano a alguém, a escola tem o dever de indenizar a vítima, independentemente de culpa dos donos, da diretoria ou dos empregados da escola. Isso se deve ao fato de a escola ser um fornecedor de serviços e os alunos serem consumidores protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei 8.078 de 1990). O CDC diz que, em regra, os fornecedores de produtos e serviços respondem, independentemente de culpa, pelos danos causados aos consumidores ou pelas falhas em seus produtos ou serviços.

Por exemplo, se o menor relativamente incapaz destrói o material escolar do colega na escola, a própria escola deverá reparar o dano, pois ela é responsável pelo menor enquanto ele está ou deveria estar sob sua vigilância.

Posteriormente, a escola poderá tentar cobrar do incapaz ou de seus pais o valor despendido. Mas esse assunto é controvertido. A escola tem o dever de vigilância dos menores. Se a escola não cumpre com seu dever de cuidar dos alunos e algum deles sofre ou produz um dano, a escola deve arcar com o prejuízo, segundo Gonçalves. Mas autores como Raquel S. P. Chrispino sugerem que os pais do menor causador do dano poderão ser chamados a ressarcir a escola, na medida em que são também responsáveis pela educação dos filhos, apesar de não terem como vigiá-los diretamente na escola. Tal ideia parece fazer sentido apenas se o dano for causado por falha na educação do menor por culpa dos pais. Se o dano é causado por simples falha na vigilância do menor, o responsável deve ser a escola, única que pode vigiar o menor enquanto ele está em seu estabelecimento.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990 ou simplesmente ECA), em seu artigo 116, diz que a autoridade poderá obrigar o adolescente (pessoa entre 12 e 18 anos de idade) a restituir a coisa, promover o ressarcimento do dano ou compensar o prejuízo da vítima, nos casos de atos infracionais que resultem em prejuízos materiais. Atos infracionais são condutas que poderiam ser enquadradas como crimes ou contravenções se praticadas por adultos capazes. Apenas nesses casos de atos infracionais, o adolescente absolutamente ou relativamente incapaz, entre 12 e 18 anos, seria o devedor principal, tão obrigado a indenizar quanto seu responsável. Mas se a conduta do menor não for ato infracional, o devedor principal será o pai ou a mãe, e o menor só responderá com os seus bens se o responsável não tiver obrigação de fazê-lo ou não dispuser de meios suficientes. Vejamos quando é que o responsável não tem obrigação de reparar o dano:

  • Quando o filho menor não está sob autoridade e companhia.
  • Quando o menor é emancipado.
  • Quando o dano for causado por força maior ou caso fortuito.
  • Quando o dano ocorre por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.

O menor que produz dano por ato ilícito terá dever subsidiário de indenizar, e os pais terão o dever principal, a não ser em caso de ato infracional com danos patrimoniais, em que ambos serão devedores solidários, ou seja, a indenização pode ser cobrada do menor ou dos pais, igualmente. Essa foi a solução para o aparente conflito de normas entre o artigo 942, parágrafo único (ver abaixo), e o 933 combinado com o 928 (vistos acima).

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.

Tal entendimento foi aprovado na Primeira Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2002, em que diversos juristas brasileiros reuniram-se para propor e votar as melhores interpretações para determinados artigos do então recém aprovado Código Civil. Os enunciados aprovados na Jornada de DIreito Civil não são obrigatoriamente aplicados no Direito, mas, em geral, são uma boa indicação de como a lei deve ser interpretada.

William Santos Ferreira chama a atenção para uma questão interessante. No momento do dano, os responsáveis pelo menor podem dispor de bens suficientes para indenizar, mas depois de algum tempo, especialmente se a indenização for discutida em demorado processo judicial, os responsáveis podem perder capacidade de indenizar enquanto o menor pode ter atingido a maioridade e adquirido bens suficientes. Nesse caso, se os pais ou responsáveis tiverem bens ao fim do processo, podem ser condenados a pagar, mas se os responsáveis não possuírem mais bens e o causador do dano dispuser de patrimônio suficiente, este último deverá pagar. Resumindo, decide-se quem paga a conta de acordo com as condições econômicas das partes ao fim do processo, que pode levar muitos anos, e nesse tempo o menor cresce e pode se tornar adulto e capaz.

Ferreira observa ainda que o menor pode ter dever de indenizar mesmo sendo absolutamente incapaz, o que pode parecer absurdo, mas tem sua razão. Os absolutamente incapazes recebem esse nome porque não têm o necessário discernimento para os atos da vida civil. Se o menor causa dano por falta de maturidade e compreensão, ele não tem culpa. E nos casos mais comuns, só há dever de indenizar quando há culpa da pessoa que provocou o dano. Então, por essa lógica toda baseada na lei, o menor absolutamente incapaz não deveria ter que indenizar nunca, por dois motivos: ele nunca teria culpa (será mesmo?); e dizer que a lei exige do menor uma indenização independente de culpa enquanto os maiores capazes somente são obrigados a indenizar quando têm culpa em situações semelhates, seria um flagrante absurdo. O menor é incapaz para que tenha proteção especial e não para ter mais deveres que os das pessoas capazes. Mas como diz Ferreira, alguém precisa pagar a conta. O Direito não pode deixar que um menino pobre fique com o prejuízo quando sofra um dano provocado por um menino rico em um caso em que os responsáveis não tenham os meios para pagar ou não tenham a obrigação de fazê-lo. Mas, devido à incapacidade do menor, essa indenização precisa ser feita com equidade.

A equidade, Direito adaptável ao caso concreto, é uma boa forma de promover justiça com normas tão contraditórias.

Legislação básica: art. 927 a 943 do Código Civil de 2002 e artigos 12 a 25 do Código de Defesa do Consumidor.

Referências:

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil – vol. III. 12ª edição. Rio de Janeiro, Forense, 2006, pp. 556-560.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª edição. São Paulo, Malheiros, 2006.

CHRISPINO, A. e CHRISPINO, R. S. P. A judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos educadores. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 16, n. 58, pp. 9-30, jan-mar 2008.

FERREIRA, William Santos. Aspectos materiais e processuais da responsabilidade patrimonial do incapaz. Revista Jurídica:órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. Sapucaia do Sul, RS: Ed Notadez. Ano 55, n. 357, pp. 73-89, julho de 2007.

GONÇALVES, C. R. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2006. Apud CHRISPINO, A. e CHRISPINO, R. S. P. A judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos educadores. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 16, n. 58, pp. 14, jan-mar 2008.

SIMÃO, José Fernando. Responsabilidade Civil do Incapaz – Busca pela Harmonização do Sistema. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: Magister. vol. 10, pp. 85-97, jun-jul. 2009.

 

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