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Como o Direito pode ajudar o menor a se proteger quando os pais contrariam seus interesses?

  • Os pais têm o poder familiar para dirigir a educação dos filhos e deles cuidar com certa liberdade e autonomia, livre de ingerências arbitrárias de outras pessoas. Mas o Direito prioriza o melhor interesse da criança, e não os interesses particulares dos pais. Por isso, se o menor não receber da família a devida proteção a seus direitos, poderá recorrer à sociedade ou ao Poder Judiciário. Em último caso, o poder dos pais poderá ser substituído em favor do menor.

O moleque esperto, que dá uma espiada em nosso blog de vez em quando, talvez pense que o Direito serve para negar qualquer liberdade aos menores, deixando todo o poder nas mãos dos pais ou responsáveis. Em um próximo post, devo explicar que esse poder dos pais, antes chamado de pátrio poder e atualmente renomeado de poder familiar, é na verdade muito mais um dever dos pais, uma responsabilidade pela garantia dos direitos da criança e do adolescente. Mas realmente não deixa de ser um poder sobre os menores, ou um dever-poder…

Se por uns o Direito é visto como um instrumento de poder e dominação, por outros é visto também como um instrumento de garantia de direitos, de harmonia e libertação. Para que alguém possa enxergar o Direito pelo lado bom, é preciso conhecê-lo, para tirar proveito.

Então vamos conhecer um pouco mais sobre Direito… A questão de hoje é: como o menor pode usar o Direito para se defender dos atos de seus pais que contrariem seus interesses? Vejamos primeiro alguns fatos históricos para entendermos como o tratamento do menor vem evoluindo.

A criança já foi considerada uma coisa (isso mesmo… “coisa” e não pessoa) pertencente a seu pai, inclusive na Inglaterra do século XVIII. Mas foi naquele mesmo país que se originou o “princípio do melhor interesse da criança” a partir do instituto do parens patriae utilizado como prerrogativa do Rei e da Coroa a fim de proteger aqueles que não podiam fazê-lo por conta própria: “as crianças e os loucos”. Somente no século XIX, naquele país, mais precisamente em 1836, o princípio do best interest, traduzido por “melhor interesse da criança”, tornou-se efetivo, levando o Estado a proteger as crianças dos abusos do poder dos pais. Tal princípio foi introduzido nos EUA em 1813 sob a denominação de Tender Years Doctrine, a qual dava prioridade à mãe para ter a guarda da criança, assumindo que seria ela a mais indicada a cuidar, dando carinho, atenção e assistência. Tal presunção de preferência materna prevaleceu no século XIX, mas no século seguinte passou a vigorar uma aplicação neutra do melhor interesse da criança em relação a pai ou mãe.

A Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 consagrou a “absoluta prioridade” da criança e do adolescente em seu artigo 227, adotando de modo efetivo os princípios básicos da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança aprovada pela ONU em 1989 e confirmada pelo Decreto 99.710 de 1990 que incorpora de modo expresso a doutrina da Proteção Integral em nossa legislação. A adoção de tal doutrina veio reafirmar o princípio do melhor interesse da criança que já existia no art. 5º do Código de Menores (Lei 6.697 de 1979) e que encontra suas raízes na Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1959. Seguindo essa linha, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 1990, teve como princípios orientadores a prioridade absoluta e o melhor interesse da criança, dentre outros.

Atualmente, a aplicação jurídica do melhor interesse da criança permanece como um padrão, considerando sobretudo as necessidades da criança em detrimento dos interesses de seus pais, devendo-se realizar sempre uma análise de cada caso concreto e suas especificidades.

Tania da Silva Pereira alerta, no entanto, para o perigo da aplicação do princípio baseado em generalizações que não deixam espaço para considerações acerca de outros interesses, também importantes. Mas, de fato, os tribunais brasileiros têm tornado efetiva a aplicação do Princípio do Melhor Interesse da Criança, levando em consideração, inclusive, a vontade manifestada pelo próprio menor incapaz (clique aqui para ver a decisão judicial). O fato de se levar em consideração a vontade manifesta da criança não significa, obviamente, que tal vontade deva ser sempre respeitada. O incapaz nem sempre tem discernimento para entender qual o seu melhor interesse. Apesar de o artigo 227 da Constituição usar a expressão “absoluta prioridade” da criança e do adolescente, o Princípio do Melhor Interesse deve ser ponderado, como qualquer princípio, e o interesse de outras pessoas pode ter preferência em detrimento da vontade da criança. Nesse sentido têm decidido os tribunais (clique aqui para ver a decisão judicial).

Podemos perceber que o melhor interesse da criança é um princípio que pode e precisa ser aplicado na defesa da criança e do adolescente para que os interesses pessoais, egoístas ou mesmo perversos dos adultos não prevaleçam sobre o melhor interesse dos menores.

Mas quem decide qual é o “melhor interesse da criança”? Pais amorosos e zelosos, com mais discernimento e maturidade que seus filhos, deveriam ser as pessoas responsáveis pela orientação dos menores em suas escolhas. Mas quando a arbitrariedade dos pais leva a prejuízos injustificáveis para o menor, em último caso ele pode pedir um curador especial a um juiz, por meio de um advogado ou da Defensoria Pública ou do Ministério Público. Pode ir à polícia se sofrer crime. Mas talvez o melhor seja procurar o conselho tutelar mais próximo, em qualquer caso. Existem várias medidas que podem ser tomadas contra os pais que não respeitam os direitos de seus filhos, desde a advertência até a perda do poder familiar. Sobre isso leiam a sensacional cartilha ilustrada do Ziraldo (quem melhor do que ele?), intitulada Crianças e Adolescentes Primeiro!

Legislação básica:

Alguns artigos do Código Civil de 2002 referentes à suspensão do poder dos pais para atender ao interesse do menor:

Art. 1.692. Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho, a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial.

Da Suspensão e Extinção do Poder Familiar

(…)
Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I – castigar imoderadamente o filho;

II – deixar o filho em abandono;

III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

Artigo 28 do ECA (Lei 8.069/90):

Da Família Substituta

Disposições Gerais

Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

§ 1o Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 2o Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 3o Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 4o Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 5o A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 6o Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório: (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

I – que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

II – que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

III – a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

(…)

Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:

I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;

II – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;

IV – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;

V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar;

VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;

VII – advertência;

VIII – perda da guarda;

IX – destituição da tutela;

X – suspensão ou destituição do pátrio poder poder familiar

(…)

Art. 155. O procedimento para a perda ou a suspensão do pátrio poder poder familiar terá início por provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse.

(…)

Referências:

ZIRALDO e ANADEP. Crianças e Adolescentes Primeiro! Cartilha disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/spdca/Cartilha%20Defensor%20Publico4.pdf Publicado em 2011. Acesso em 10/02/2012

PEREIRA, Tania da Silva. O melhor interesse da criança. In PEREIRA, Tania da Silva (coord.). O melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. – Rio de Janeiro: Renovar, 1999. Página 3.

BARBOZA, Heloísa Helena. O Estatuto da Criança e do Adolescente e a disciplina da Filiação no Código Civil. In PEREIRA, Tania da Silva (coord.). O melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. – Rio de Janeiro: Renovar, 1999

AMIN, Andrea Rodrigues. Princípios orientadores do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. – Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007.

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Poder Familiar. In Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos / Kátia Maciel coord.. 5ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011

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